quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Quintana


Achei um pouco de você,
nessas poesias
Um pouco de mim.
Em meio a rios de palavras
Encontrei, sorrindo, quase invisível
as palavras bobas do Quintana
Tão bobas, que parecem fazer parte
de um aluzejo ou de um prato
de bobagens que eu já cantava a muito tempo
Sem lembrar de ter sido você
que m'ensinou que elas eram poesia.



Garoa

Não vou demorar
o back passou
um carro
e, uma borboleta também.
Era preta
e, ninguém
nem percebeu.

Um pássaro canta,
ou, prenuncia,
a chuva.
Trazendo a lembrança
da tua presença,
do teu corpo molhado
confundindo-se com o meu.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Poltronas


As duas poltronas eram, praticamente, iguais com apenas pequenos detalhes variantes. A madeira continuava a mesma, mas, poderiam nem ser da mesma árvore. Eram quatro pernas onduladas, um encosto pro pescoço e a almofada rasgada suportando as ancas. Sonhei que a gente era velho e, não levantávamos daquela cadeira; talvez não pela saúde e, sim, por querer apenas estar ali e não partir.
         Uma parede guarda as duas poltronas velhas, como tudo que existia naquela casa, onde, permeadas por uma mesinha de centro com livros empilhados, pudéramos ser, lembrar, imaginar ou viver, o que quer que fosse. A fantasia da poesia numa realidade que pouco importava qual fosse, arrebatava, como um sopro, nossos peitos.
         Os meus ou os seus olhos começavam a perder seu ar cintilante, sentados respirando fundo, ganhavam um tom fosco. O ar que saia dos pulmões parecia escasso ou carregado de cansaço e, a tosse parecia acometida de pedaços de outra vida.
         Eu não conseguia falar, ora dizia e tampouco ouvia a mim mesmo; as palavras saiam de minha boca, porém, minimamente chegavam ao meu ouvido. Exasperado, tento em vão repeti-las procurando o som seco que atentara sair da minha boca, tentei buscar nos fundos de minha memória um resquício que fosse do som de minha voz. As palavras, escritas, cada vez mais, de formas diferentes, transfaziam-se em imagens nítidas que meus olhos não acordavam ter visto ou lido. ‘Que é que estou pensando, o que eu penso... que voz eu tenho.’
         - Em que é que foi que cê tanto pensa, velho?
         - Minhas palavras. – respondemos, ou pensamos, juntos. Como um espírito que se liberta, minha voz rumoreja quase inaudível, mas, completa-se no som harmonioso de uma voz feminina, tratada pelo tempo, que, por vezes, eu esquecera ter por perto.
         Os olhos, antes secos, marejam em fios que lentamente tiram o ar fosco dos olhos. Fechando levemente as pálpebras de um olho que, aparentando estar seco ou morto, brilha quando tento copiosamente dizer palavras ou inspirações que minha voz não consegue pronunciar, mas, que no silêncio mutam-se em poesia.
         Pondo à prova suas pernas agora fracas, a velha levanta-se.
         - Minhas palavras completam-se na tua boca, meu velho. Ou até no teu pensamento... fico pensando se ocê sabe disso. – sua voz, ainda que rouca, guardava um único tom que me seduzira, desde sempre, a encontrar poesia. – Fico pensando... fico pensano... 

Four Armchairs in the Sky - Salvador Dali.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Castelos


Criaram castelos, para  aparentar a alma.


        Ensaiando passos ainda tortos, uma criança segue seu pai. Na mão esquerda carregava uma pulseira de ouro, tão frágil ou fina quanto a inocência de se ver as coisas pela primeira vez. Com um, ou dois, anos é difícil andar em linha reta ou, até mesmo, ficar parado em pé. Mesmo não percebendo, caminha em sinuosidade e descreve caminhos como quem dança sem musica nos pés. Não faz diferença saber, ou não, dançar, andar em linha reta. Tudo é novo.
            - Pa... Pa.. Ba... – tenta atrair a atenção do pai, exultante.
            Puxando a pulseira que o pai, também, carregava segura e perde os olhos em uma flor amarela. Não é que fosse a flor mais cheirosa ou a mais chamativa aos olhos. Mas era única e lhe encantava os olhos.
            - Bonito né, filho? – o pai nem liga, pra ele não existiam tampouco flores por perto naquele momento. Fitando minuciosamente um carro preto, esquece o filho nas flores. E, que carro preto. Perdi meus olhos na criança que, sentada, sorria, babava. Cantava uma musica que ninguém nem ouvia.
            O dono do carro, vestido de chinelos pretos e calças curtas com desenhos tropicais estampados, vêm na direção do carro. O pai, no susto de ser pego praticando a cobiça, gruda com a mão direita o braço da pulseira de seu filho. Aspirando fundo o guri, como quem acorda de um sonho, sente que voa e cai nos braços, com a cabeça sob o amparo dos ombros, do pai, e tenta em vão alcançar uma pétala que fosse daquela flor amarela que sempre acabava ficando longe.
            - Vem ver meu carro novo. – o dono do carro diz prum velho gordo bom de matemática.
            - Rapaz, eu já estava olhando daqui.
            - O que você achou?
            - Ah, legal...
            - Só?
            - É, uai.
            [silêncio]
            - Olha o carro de novo... Diz que ele é bonito.
            [silêncio]
              Eu preciso sorrir.


Salvador Dalí - Flordali II (1981)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Gostar


Gostoso é gostar de você
gostoso é gostar de te ouvir
cheirar ou sorrir
e, até mesmo, a saudade
de te ver partir.

Gostoso é gostar do seu sorriso
gostoso é gostar da sua poesia
gostar do seu gosto
gostar do seu cheiro
ou de morder o seu pescoço.

Gostoso é gostar da sua boca
gostoso é gostar da linguagem
que sai dos teus olhos,
de te lembrar
no sorriso da lua.

Gostoso é gostar de sentir
gostoso é gostar da chuva
de recebe-la em meu rosto
molhando meu corpo
lembrando nosso suor.

Gostoso é gostar do teu umbigo
gostoso é gostar da pinta que tem nele
Umbigo, ou dois?
O meu é bem melhor agora
com o seu

Gostoso é gostar de escapar
gostoso é gostar de te ver
lembrar do dia que li
sua poesia dizendo
que comigo aceitava fugir.

Gostoso é gostar do teu olho
gostoso é gostar dele refletido
no céu de minhas memórias
gostar do teus olhos brilhando
como num poema invisível.

Gostoso é gostar de saber
gostoso é gostar de te ter
de embaraçar seu cabelo
ouvir você suspirar,
alto ou baixo, no meu ouvido.

Gostoso é gostar de esquecer
gostoso é gostar de transcender
de ter poesias pra escrever
gostar de quando você diz:
estou aqui na frente.

Gostoso é gostar de rir
gostoso é gostar de rir como criança
de beijar sua boca,
que tem gosto de morango,
e lembrar a infância.

Gostoso é gostar do teu cabelo
gostoso é gostar da tua cor
dos pelinhos do seu rosto
e, até mesmo,
de poder falar dos troços.


Gostoso é gostar de ouvir o jornal chegar
gostoso é gostar de ver o dia amanhecer,
depois de uma noite toda com você.
Gostar do seu silêncio e,
nele, enxergar a magnitude do teu encanto.

Gostoso é gostar do teu sexo
gostoso é gostar de nossos movimentos.
gostar de contorcer o meu corpo
na procura pelo teu

Gostoso é gostar do seu sorriso
feito consequência do meu
ao fechar das cortinas.
Gostoso é gostar da luz dos teus olhos
que guiam e acalmam-me.

Gostoso é gostar de traduzir em palavras
a poesia que eu ouço de você.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Prato


Num prato quebrado
ganhei uma poesia
que, de enfeite
para a felicidade
se fazia.
Juntei cada pedaço
ou estilhaço
com tinta, neles
escrevi com maestria
que no teu sorriso
eu logo perceberia
a completude
que dele se fez o mundo.
meu coração fraco,
pensou que partiria
mas, não conseguiria
ficar sem olhar
todo um céu
que é lindo
e te lembrar.
Talvez porque
em minha memória
você é reflexo dele.

Salvador Dalí - Apparition of a Face and Fruit Dish on a Beach, 1938

Pediria


Por mim, pediria que ficasses.
Pediria que ficasses ou concedesses
um minuto a mais de eternidade.
Pediria pelo teu sorriso
que me enche o peito.
teu sorriso que me ilumina a alma.

Por mim, pediria que ficasses.
Pediria apenas um segundo a mais
que pudesse olhar o encanto dos teus olhos,
beijar o canto de tua boca
e encostar tua pele na minha.

Por mim, pediria que ficasses
pr'eu poder ver mais de perto
o escuro de tua face.
pr'eu alcançar o céu e ir mais longe
buscando o brilho das estrelas
que eu só encontro em teu sorriso.

Por mim, não partirias agora.
Por mim, não partirias nunca.


em parceria,
A. Stuck
R. Batista

Manhã


Para descrever uma manhã
procurei palavras nas arvores,
passaros ou nos ventos 
sumiram.
Por um momento, pensei:
cadê a poesia?
Sumiu?
Não.
Está com o rosto aconchegado em meu pescoço.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Criança


Conversas de criança,
risadas de quem nao se cansa
de poder simplificar
vida ou morte, que quer que seja
Conversas de criança,
eternizadas 
simplificando o mundo,
cheiros ou gostos 
que ficam na boca
o gosto do morango, 
ou teu cheiro no nariz
Ah, esse jeito 
de poder ser criança
Sem tempo, com cheiros
sorrisos.



Salvador Dalí - Baby Map of The World

Encanto


Cada poesia, ou poeta,
tem seu tempo de renovação.
A minha, renasce em teu sorriso
que tanto chama minha'tenção.

A realidade que, antes,

era apenas dos meus sonhos
agora se parece com a daqui.

Lembro ter sonhado

qu'eu abria palavras
e, dentro delas, 
te encontrava.

Tentei, através delas, compreender

o que não consigo dizê
fazer sentido
ao significado das coisas
parecia sempre levar a você

Acabei por não conseguir,

ler, dizer ou partir
Pois ainda é cedo.

Enquanto isso 

Te faço em poema
Te faço em canção 
Inspiração 
Que encanta 
Preenche o coração

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Bossa

Naqueles ares parísios, 
sonhei com você em meus braços
Sem lembrar que a primeira bossa
Já cantava um abraço
de uma vontade que seria nossa

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Escapar


            - Alô...
            [silêncio]
              Alô!
            [silêncio]
            Respira fundo e, com o ar de quem mata como os deuses, bate telefone.
            - Quem era?
            - E, eu lá sei?
            - Desliga esse negócio, volta, senta aqui comigo.
            Com um sorriso, que não era meu, esquece o telefone e caminha voltando para o sofá. Eu queria estar ali e poder ver, para ao menos imaginar, que em meu ombro seus cabelos castanhos encontrariam repouso naquele momento. Mas, não era. Imaginar outro sofá, qualquer outro que fosse. Ah, imaginar um sofá em Paris; melhor, um banco de praça. Na última vez que andei por aquelas ruas, que respirei aqueles ares luminosos, com os olhos perdidos na lua, encontrei um banco de madeira. Antes desse telefonema mudo, bem antes, eu já havia imaginado ou sonhado minha mão no seu rosto, sonhar você caminhando ao meu lado nessas ruas de ladrilhos, esquecer de seu rosto e ganhar suas mãos não me pareciam mais um sonho remoto. Dessa vez eu ligo e falo, de verdade, eu vou falar desse sonho em que estou sentado num banco, em qualquer um daqueles bancos parísios e, você, com a cabeça em meu ombro, têm seus cabelos aconchegados perto do meu rosto. Com as pernas dobradas confortavelmente sobre a madeira, você segura uma flor e, com a graça de poder ver o seu perfil, solta um sorriso que enche meu peito.
            Que merda, isso é sonho rapaz. Esquece isso, eu vou esquecer. Deixa quieto aquele pote, tudo que tem ali dentro de moeda... Só esquece. Ai, caramba, eu não vou deixar quieto não tem como oras. Não tem. Eu vou jogar esse pote no rio, é eu vou jogar. Pra ir embora e pensar que passou; mas, eu não conseguiria, a filosofia do rio não me deixaria esquecer. Não vou falar, merda... por que arranha a garganta só de pensar em te convidar pra uma loucura dessa?
            Na penumbra criada pelo abajour, fico apenas sentado e o sono parece nem querer chegar, tal qual o tempo, e, perdido, sem saber se estou num ou noutro, teu sonho perfaz minha realidade. Com o corpo esparramado na poltrona, fecho os olhos e pouco a pouco cada árvore, cada ladrilho de pedra juntam-se a transfazer cada detalhe de uma praça que minha memória não conseguia significar. Respiro fundo e, minha pele fica tremula eriçando meu ânimo como quando você me faz pensar poesia na rua. Abro os olhos e, em realidade, cada pedaço daquela praça lentamente vai surgindo em mim.
            - Olha que bonita, essa flor.
            Nunca, em nenhum sonho, havíamos nos falado; ficava apenas a imagem muda do vento soprando ao nosso redor.
            - É linda. – sorrindo, eu não conseguiria dizer muito.
            [silêncio]
            Poder ver, ouvir, sonhar... Quero sentir você dentro do meu abraço, sentir de perto cada traço que faz seu rosto tão bonito. Eu não vou mais esperar.
            Na sala, interrompendo um beijo, o telefone toca novamente. Chama uma, duas vezes.
            - Espera eu vou atender, rapidinho. – levantando-se.
            - Para, fica aqui... – tentando voltar o beijo.
            - Se não for nada, eu desligo o telefone.
Dessa vez, meu coração batia lento aos passos da ligação; que eu já considerava quase perdida. Ia desligar...
- Alô...
            [silêncio]
              Alô!
            [silêncio]
            - Oi...
            - Alô?
            - Sou eu...
            - Eu sei – interrompe, tentando esconder o sorriso vira as costas para o sofá.
            - Você está ocupada?
            - Não, pode falar.
            - É que...
            [silêncio]
            - Fala... – docemente.
            - Faz uns dias que queria te perguntar um negocio, mas, deixa quieto. Está tarde, não é coisa de importância.
            - Não tem problema, pode falar...
            - É besta... Fo...
            - Você vai demorar pra desligar aí? – do sofá, interrompe a ligação.
            Sem responder, apenas meche as mãos pedindo silêncio.
            - Desculpa, não ouvi o que você disse.
            - Não era nada mesmo, só queria dizer que estou indo pro rio. – com medo, meu coração batia descompassado.
            - Certeza que era só isso?
            - Não...
            - Então diz logo, oras.
            - Fo... Foge comigo?
            - Quê? Está brincando? – Diz, rindo. Aquela risada enchia meu peito mais que a música.
            - Não, não estou...
            [silêncio]
              Foge... Escapa comigo? Vamos pra Paris...

Salvador Dali - Winter and Summer Patient Lovers