quinta-feira, 24 de maio de 2012

Bois de terra seca.


          Engraçado, eu não lembro daquele rosto. Nem daqueles olhos grandes, fundos. Pareciam carregar tanta coisa. Olhos com marcas brancas, deve ter sido a  primeira vez que vi. O que se pode carregar em olhos tão brancos? Brancos e envoltos por riscos vermelhos. Ocorre-me a lembrança das marcas em seu rosto, a pele já enrugada, uma barba feia, suja. As bochechas marcadas por cavidades, talvez em decorrência da fome. Era um lugar tão seco. Estranho, ainda assim, não me lembro daquele rosto. Tinha a marca de tantos outros. Por que ele parecia usar sempre a mesma roupa eu não sei. Uma roupa triste, sem meta, orientação ou rumo algum.
          Engraçado, eu não lembro daquela cidade, nem de suas ruas. Talvez não houvessem ruas. Um ponto, ou outro, daquela cidade ainda me fica na memória. A praça com a igreja verde. Quão sinuosas eram aquelas ruas, pareciam levar a lugar algum. Tal qual passos de bêbado, que anda em círculo, exita e cai. Era um lugar tão seco. Acordo ter visto bois, tão secos quanto as cavidades no rosto daquele sujeito. Outrora fora tudo tão vivo, agora são apenas ossos.
          Nas ruas ele andava cambaleante. Com o olhar perdido, para o fim da rua, andava. Tocando seus bois, bem provavelmente não fossem seus. Como se anda em rua sinuosa? Ainda mais estando cambaleante. Os bois pareciam ter mais rumo do que ele. Até mesmo os já caídos. Era um lugar tão seco. Até a igreja verde parecia perder o sentido. Qual o sentido da igreja verde numa praça que não existe? Rua nenhuma leva até ela, rua nenhuma pode levar, até os santos, a água. Os bois pareciam ter mais rumo em um lugar tão seco.