segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Domingo

            Poderia ser um domingo ensolarado, chato feito tantos outros, assistindo televisão em tardes falseadamente legais. Não tem sol, e nem por isso há apenas tristeza em cada carro que passa nem na história que ameaça surgir na avenida. Dias frios parecem sempre os mesmos, na memória. Manhãs cinzas muitas vezes conflitam o sol do entardecer, sentado num banco em qualquer calçada, quando meus olhos fecham, certas vezes não percebo se meu corpo acorda ou dorme. Nem sei se acordo de um sonho, às vezes penso que, dependendo do quanto se dorme, o dia tende a parecer ser o mesmo o tempo todo.
            Sentado e pensando, resta o hábito dos outros dias da semana que, com o tempo, também contrafazem em serem os mesmos. Os cigarros parecem ser os mesmos, menos quando a memória busca ao longe das primeiras vezes, os pigarros sempre se fizeram prosaicos. Acho que alguém passou e disse: - Ei, parça, arruma um cigarro aí, na moral. A memória com suas graças às vezes me faz juntar pessoas ou causos, que ainda não sei em qual livro ou verdade seriam reais. Tirei um maço de cigarros do bolso da jaqueta, a luva de lã faz o maço quase escorregar. E já nem lembro se isso foi de dia ou a noite, na memória, outro dia desses, pedi um cigarro.
            Sentado uma tarde passa e as maritacas não gritam, o frio lhes corta as asas. O vento frio talvez tenha cortado meus pensamentos, ou o sono. Dormir tem sido algo tão próximo que muitas vezes já nem lembro seu egoísmo. Sentado no banco abri os olhos e não me lembro se eu dormira a noite  ou as tardes do tempo. Sei que toda vez quando sento no banco de cimento meus olhos, quase que em vão, buscam as pichações escritas no muro do outro lado da avenida.
            A pichação do muro fora primeiramente escrita ali, depois minha percepção a levou para os rascunhos de um celular velho. Hoje nem o muro existe para guardar os traços de tinta, disseram que logo chegaria o empreendimento, e o rabo dos habitadores logo estaria cheio. Pensaram que seria de dinheiro, nada feito. Tapumes encobrem os muros baixos de um campo onde meus pensamentos afluíam; sob eles, hoje quase vejo, apenas as luzes a guardar a rotatória que já nem lembro se é sagrada, onde a rua não se pode convergir. Derrubaram os muros para criar o empreendimento, que nada só taparam foram os matos de dentro, edificaram um escritoriozinho em pré-moldado que tentara se fazer imponente. Lá dentro talvez fosse mais frio que qualquer casa de madeira ou banco de cimento, mas logo o dinheiro chega e todo mundo fica cheio.

            Anteriormente talvez fosse a pichação, vi de perto para poder falar, hoje talvez sejam os vasos de plantas que tentam guardar os textos e poesias que correm nos carros da avenida. Sentei e escrevi, melhor, pensei pra viver e dar forma. Quem sabe, talvez, conseguir significar os pensamentos levados nos vultos dos carros; o cigarro também mudou.


Three Sphinxes of Bikini - Salvador Dalí (1947)