segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Origem

           Ao mesmo horário passara todos os dias por aquelas avenidas. Sempre de calças e moletom, ambos pretos como aqueles pés imundos. Dedos disformes serviam de paramento, em um par de velhos chinelos azuis. Não sabia se ia ou vinha.
                - Boa noite. – disse
                - Bom dia.
          Três sacos, também pretos, pareciam carregar todo conjunto de espaço sob os ombros. A direção era sempre a mesma, sem meta aparente. Levara-o a margear o asfalto com destreza. Como se, de olhos fechados, soubesse todo aquele caminho.
           Não sabia se ia ou vinha. Se ia, encontrava tudo o que conservara sob seus ombros, caminhara com tanto peso, mas descrevera todas aquelas ruas, desenhadas, com luzes de postes se fazendo de lua.
         Caminhando, a procurara no céu. As próprias luzes, que outrora mostraram o caminho, calavam o reflexo do sol que iluminara a alma. Escondia o reflexo das palavras que, caudalosamente, saiam do seu peito, da saudade de si mesmo. As luzes não iluminavam os pés, nem a cabeça, apenas aquela roupa escura.
            Levava um coração, avultado como o dos santos, abstrato em solilóquios. Ultimamente, andava sem saber quem era. Pensava claudicante, ter, do nada, surgido no tempo. Sem saber que o tempo é que surgira nele. Tentava dar ideia de seu pensamento fundamental, lembrar (ou saber) de onde partira.


The Birth of the New Man
Salvador Dalí - 1943