sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Olhos

Minha poesia
fica presa
Presa nos seus olhos
Presa, como minha boca muda
Presa, mas não cativa
Livre no espaço dos sonhos


sábado, 4 de agosto de 2012

Chilrear


Um clarinete esganiçou-se à distância. Mozart? Pássaros. Era um chilrear de liberdade, enquanto a madrugada cantava. Habitavam ali, como que em um conjunto natural, em meio a todo aquele lugar seco. O refrigério só aparecia naquele momento. A madrugada flauteava docemente, e com arrebatamento, sua melodia. Propiciamente para aquelas vociferações de liberdade.
Quando atingiram o ré maior de Tchaikovsky, experimentaram ser deuses. Elevaram-se, e voaram tão alto que os olhos já não podiam vê-los. Mas, ainda assim, continuavam a soar docemente os violinos. Os que não detinham a capacidade de ascender permaneciam bonançosos e serenos.
Agora, nos céus, viam todos os astros. Viram que tudo mantinha-se ali. As galáxias perduravam, protegidas. De repente, como que se tudo lentamente parasse, reflexionavam e podiam ver a própria alma. Voavam, e iam mais alto. Tão alto que, a própria música, despiu-lhes a audição. Cantavam, agora, com ainda mais vivacidade. Com tal qualidade de leveza, tocaram aos ouvidos surdos de Beethoven.

Vesica Piscis in Space

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Nega


Boa noite, Nega. Você está aí de novo, todo dia você está. Ô Nega, que saudade. Meu corpo é velho, o seu não é. Teu corpo descreve curvas, tão bonitas em você. Em mim, Nega, só sobram todas essas rugas. Curvas? Só se forem nas cavidades do meu rosto.
            Aqui, nada era assim. Quanto àquela realidade é, praticamente, tudo ausência. Acho que nunca fui novo, Nega. Nunca. Mas, minhas memórias recordam minha infância. Uma criança velha. É tudo lembrança do meu ingresso.
            Tudo aqui Nega, agora leva consigo tanta verdade. Não, não é tudo. São as pessoas, dizem estar autenticamente conforme a realidade. Elas acabam ficando sem espaço, até pra transformação. Quanto mais preso à verdade, menos acabam tendo o que fluir e afetar. Não sei, Nega, acho que penso demais.
            É tudo espera, Nega. Tudo parece ter sentido aqui. Em algum lugar, sempre tem alguém sentado. As coisas, que de fato contam, já receberam seu afeto. 
            Ah, Nega... Nega, eu estou velho, tenho medo. Fico aqui perdido, habitando todo esse infinito, sem ter você pra significá-lo. É como se você fosse minha causa, Nega. E, fico pensando, por qual causa você não está aqui. 
            Lembro-me de você, no meu rosto é inteira. Só não lembro, Nega, se sua pele é preta. Rememoro, realmente bem, é de quando dissecávamos palavras. Aqui ninguém mais faz esse tipo de coisa.
Nega, lembro do teu olho. Mas, não lembro a cor da tua pele. Lembro de cada noite nossa. Naquelas noites, você significava tudo quanto existe ou possa existir. Meu velho rosto não tem vida, acho que, sem você, nunca teve. Se existe vida, é apenas um reflexo pífio de toda a vivacidade que você colocou.
Não lembro tua pele, Nega, nada é como parece.