Sabe, hoje eu
acordei pensando, vô. Talvez, hoje eu
tenha acordado pra pensar ou sentir saudade. Sentir saudades do que eu queria
ter mostrado pra você. Eu queria poder ter te mostrado a farda e a honra que
poderiam prenunciar alguma salvação. Aspirei, mesmo antes de ter, por tanto
tempo te mostrar o sorriso que me faria encher o peito. Me apetece a ideia de
poder mostrá-la pra você e poder dizer: vô,
é essa moça aqui ó. É esse o sorriso que escolhi pra iluminar o meu, do
jeitinho que cê falou.
Que é que se
salva, vô? Nunca estamos a salvo, nem da saudade tampouco do amor. Eu queria
saber se você lembra aquele dia em que, deitado na cama azul, cê me explicou
tudo. Mesmo que indiretamente, numa metáfora elucidou o amor a devoção ou busca
por olhos que encantassem o peito. Disse abrir portas ou a gentileza de ajeitar
a cadeira para que sente, para que aqueles olhos pudessem ter descanso e
caminhos. Tua boca quase que murmurava as causiefeito...
- Olha aqui
pro meu dedo filho. – você disse, lentamente molhando o dedo na saliva e
erguendo-o quase com dificuldade. – Assopra. Você irá perceber que tudo tem uma
troca. O ar quente da sua boca esfria a ponta molhada do meu dedo. E, já nisso,
é um pouco de você que passa ou fica em mim.
Ah, vô... Será
esse meu primeiro sopro no peito? Que vontade de te contar minhas palavras,
causos ou loucuras; igualzinho eu aprendi a fazer quando cê me explicava as
coisas. Narrava histórias tão épicas e carregadas de sabedoria que os doutos do
engenho não souberam reconhecer. Uma vez, de livro aberto, eu procurava a sabedoria
do colégio. Numa das páginas, do meio ou do fim, havia um ovo desenhado.
Translucido. Cê não sabia do desenho apenas me perguntou:
- Que é que você
lê aí filho?
- Ah... vô.
Tão explicando aqui como é que é um ovo por dentro.
- Tem muito
mais vida dentro de um ovo do que você pensa filho. – com a maestria de quem há
muito tempo ensina, em palavras calmas descreve o ovo e o embrião. Disserta vida
ou morte, e, parecia esquecer a fragilidade da sua que parecia perder-se em
cada palavra.
Quem dera todas as suas expressões pudessem ter mantido-se inteiras na minha memória.