segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Sonho


Eu sonhei com o seu beijo esta noite.
Hoje acordei sem lembrar, ou saber,
se toda minha noite fora sonho.
Sonhos, sempre quis ter...
tanto.
Hoje sonhei com você.
Queria lembrar o sonho. Só lembro que me beijou, na hora de ir:
- Ei! Espera, vamos ali. Eu quero te dar um beijo.
Em sonho ou em verdade, lembro da vontade que tanto me colocou a pensar.
Queria escrever, escrever essa vontade.
Pensei nas palavras, em diversas delas
Pensei se escrevia de jeito cru,
ou com todo o sentimento.
Que vontade ...(?)
Fica besta escrevendo, é, fica bobo.
Vontade de, tendo você tão perto, ...
Ai! Vontade besta.
Eu só queria uma coisa
é bobo, mas queria passar a mão no seu rosto.
Com meus dedos aconchegando-se nos seus ouvidos
e, meu polegar descrevendo seu sorriso.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Nome

'Vejo apenas seu perfil. Maçãs decididas e firmes sustentam seu rosto. Que é mais bonito? Seus olhos ou pescoço? Sua boca não... Ela não sorri para mim. Não sorri diretamente, mas vejo seu sorriso transcender as maças do seu rosto. E, então, sinto, ou acho, que seu sorriso é meu. Apenas acho, não sei nem seu nome. E olhe que são três dias. Vejo você prender seus cabelos. E tudo, em você, parece encantar. Sua atenção, seus olhos fixos. Olhos, não os vejo, mas imagino. Você sempre parece estar um pouco mais adiante. Faz lembrar os astros, preservando toda sua beleza longe e intangível; mantendo sol e terra em suas órbitas. Que rosto lindo, pareço conseguir apenas prestar atenção nisso. Sua nuca branca sustentando o coque que você fez no cabelo. Ah, você virou o rosto e sorriu e iluminou-o; não sei que escrevo, ou se devo. Sei que me pego sorrindo olhando pra você. E essa vontade de saber seu nome.'
 
 
Woman with Flower Head - Salvador Dali.
 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Quand je dis ne sort pas


     Por algum tempo, que não sei se foram segundos ou horas, só existiu o delineamento lateral do seu rosto. Linhas sutilmente desenhadas, em poucos segundos, transfizeram-se em um sorriso entrevisto pelos seus cabelos.
     Sorrindo, sua boca lia sozinha. Poderia ficar muito tempo ali, por muito tempo poderia ser, ou ter, apenas aquele sorriso. O seu sorriso chegou até mim, contraiu os músculos do meu rosto e peito.
    Como perceber a razão desses olhos, de sentimentos verdes, fortes e recentes, sentirem-se ínferos? O sentimento deles nunca é bobo. Olhos que, da mistura do amarelo com o azul, tornam-me vivo, magnetizam a chuva. Por quê eles trazem tanto brilho e encanto aos meus olhos, e sorriso?
    Quero dizer várias coisas. No pensamento, elas voam, e tremo diante das palavras. Je pense tellement que quand je dis ne sort pas. Aqui dentro, ficam as palavras que não saem, não passam. Perco-me nas palavras e elas perfazem o tempo.
     Ela olha para mim, seus olhos brilham como num poema invisível.
     - Você estava cantando enquanto vinha para cá?
     - Por que pergunta isso?
     - É porque pensei ter escutado.
     - O que você ouviu?
     - Nada de mais.
     - Pensou que ouviu?
    - Não sei. – um silêncio cego, por um instante, pairou. - Mas, parecia com a melodia da música que eu cantava.
     - Eu também te ouvi. E, em você, ouvi muito do que eu quis dizer.
     - É como se, mesmo antes de me ouvir, você tivesse percebido, cantado, o mesmo que eu.
     - Meu som, antes, parecia... Sem ritmo, não, não é sem ritmo... É outra coisa...
     - Sem sabor?
     - Isso! Agora, sei lá, pelo menos na minha cabeça, ele parece estar em harmonia.
     - Para. – interrompem-se, sorrindo. - Faz tempo que eu canto aquela música.
     - E, faz tempo que eu tenho minha atenção em você.
    Novamente, silêncio. Dessa vez, não era um silêncio desconfortável ou seco. Nunca senti tanto deleite em um silêncio. Não era o sabor do vinho, era outra coisa. Nos olhamos, igualmente, ao mesmo tempo.
    A ligeira elevação do canto das nossas bocas pareceu colocar em sintonia dois corpos, ainda que fisicamente distantes. Um sorriso sem começo, fim, ou meio. Um sorriso fazendo-se de palavra, ilimitado em matéria ou espaço.
Woman With Book - Pablo Picasso

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Astros

- Eu vim para ver você.
- Onde é o lugar que você está?
- É um hotel, no centro. Chama Indaiá, eu acho. Sua voz...
- Eu sei onde é. – interrompe-me.
[silêncio]
- Como iremos fazer?
- Tem uma praça a alguns quarteirões do seu hotel, não tem?
- Sim, sim. – ela também pensou na praça. A que horas?
- Em uma hora.
- Certo.
- Eu preciso desligar.
- Eu senti falta de ouvir sua voz...
- Depois nos falamos.  – desligou.
Meu coração bateu mais rápido que o sinal da ligação caída. Olhei para a mesa, apoiei o cigarro no cinzeiro de vidro, alguns pedaços de papel, uns com duas, ou três palavras, outros eram folhas preenchidas, cobriam a mesa. Encontro, aleatoriamente, uma. Desfaço-me do telefone.
Ligações me faziam lembrar quando ela falou, mesmo que de mentira, perto do meu ouvido. Fazia tempo que não a via. Em minha reminiscência apenas detalhes e recortes, tornando a minha consciência.
Ainda estava cedo, mas não suportava mais aqueles papéis, nem o quarto. Calcei os sapatos e sai. Caminhei errante para que o tempo passasse um pouco mais rápido. Caminhei olhando o céu, dirigia-me brincando com a lua. Ela sorria, e se escondia. Nos prédios, ou nas árvores... Por vezes nas minhas costas. 
Chegava até a cair em esquecimento, e eu, como um cego de andar reboto, procurava manter o pouco que restava do som da sua voz como guia para o encontro.
Os bancos parecem ser sempre os mesmos, feitos do mesmo cimento, lúgubre e frio. Sento-me, aquele lugar tinha uma vista bastante privilegiada sobre quem ia ou vinha. É aqui que espero.
Eu a vi chegando por todas as direções, podia estar interpretando. Seria o mendigo, ou a velha? Eu não gosto de esperar, não gosto... Um vento frio soava no meu ouvido esquerdo. Respirei fundo e, de olhos fechados, abaixo a cabeça.
De olhos fechados esqueci seu rosto. O vento entrava pelos meus ouvidos, e, lentamente, condensava meu ânimo. Não lembrava o rosto, nem a voz, apenas queria você ali. O que nos leva a andar por praças inóspitas...
Abro os olhos e te encontro, sorrindo, frente ao banco. Eu tinha certeza que não conseguiria falar nada quando isso acontecesse, não falei. Ela bate na minha cabeça e, novamente, sorri:
- Não tem vergonha de dormir na praça não?
- Quando é pra sonhar com você, não. – eu não conseguia perder aquele sorriso.
- Bobo. 
[silêncio]
Seus preclaros olhos transmitiam uma viva impressão de deleite e admiração, em mim. Eu demoraria para saber, que esse meu sorriso, aos poucos amarelado, dali pra frente, só alcançaria o tom exato, quase que musical, enquanto a tivesse por perto, como em uma conseqüência etérea; precedido por minha boca que, tranqüila e lentamente, acompanhava suas palavras e sorrisos. Tanta coisa passa nessa rua, desde o tempo, até as fases da lua. Mas, tudo inda era silêncio. Merda, não prestei atenção no que ela disse. 
- E, eu preciso ir. Está tarde, você devia ter me avisado antes de vir.
- Eu vim de súbito, de saudade.
- Ainda tenho que ir.
- Espera.
Ela também perdia os olhos na lua. Beijei seu rosto, segurei suas mãos e trocamos um sorriso correspondido de parte a parte. Comunicamos nossas bocas e, novamente, a atmosfera do tempo insurgi, e ultrapassa, a si mesma.
Para aquele beijo, toda poesia seria pouca. Beijava-lhe os olhos, ou enredava os dedos em seu cabelo, e às vezes perdia o que estava me dizendo.
- Eu... Eu, tenho que ir. – disse. Quero ficar, quero mesmo. Mas, me matam se eu não voltar logo.
- Entendi.
- Me dá um cigarro?
Tiro dois, do bolso da camisa.
- Um só, fuma comigo..
Estava com raiva, não queria que fosse. Mas, aquela voz... Se pudesse, eu a gravaria e ficaria a ouvir; passaria horas e horas. Apoio o cigarro em sua boca, ela acende e diz:
- Tenho sonhado com você. Tenho-te, ainda, nas minhas fantasias e devaneios.
- Eu também...
- E, quando acordo, mesmo com a memória dos sonhos partindo, você parece que fica.
- É a primeira coisa que penso quando acordo. – dissemos juntos.
- Toma. – diz entregando-me o cigarro quase que com brutalidade. Eu tenho que ir.
- Espera...
- Não dá, sério mesmo.
Me beija rápido, viras as costas e vai. Os carros voltam a fazer barulho, incomodam. Com o cigarro no fundo dos dedos, fumo quase que tapando a boca. E, você vai embora, lembrando os astros, preservando toda sua beleza longe e intangível. 
Meu olho te acompanha; minha boca, ainda quente, não.


Salvador Dalí - The Eye of Surrealist Time

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Bar (Revisitado)


Nosso carro estaciona.
Nosso? Não me lembro de ter companhia. Uma mulher, já com seus 60 anos, é quem dirige. Sua idade só é perceptível após um tempo. A maquiagem forçada, e a roupa extravagante escondiam muita coisa. Na esquina, um bar, um desenho na parede mostra um cozinheiro. Chama-se ‘Frigideira’.
- É aqui. – diz a motorista.
            Descemos. Era um carro prata, velho.
- Onde é o banheiro? – pergunto.
Um sujeito amocambado num balcão aponta com a cabeça um pedaço, quase morto, de madeira azul. Olho na direção, e vejo a pequena porta com a tinta gasta onde quase não se vê mais sinais de vida daquele resplandecente azul. Aquela porta escondia menos coisas que a maquiagem. Largo o balcão e caminho até a porta, sem recordar, ao certo, se realmente fui. Acho que fiquei apenas ali, parado.
- Tem cigarro?
Ele parecia não ter voz. Com a cabeça escabreada entre os ombros, tenta usar a garganta, a afonia não deixa, responde que não, apenas com um gesto, novamente. Merda, pensei. Procuro a saída. Prontamente, vou até a porta, avisto a motorista, chego e me sento sem olhar onde. Eu estava cansado, respirava fundo, com olhos e ouvidos perdidos em meio a um vozario inteligível.
Olho ao redor, e vejo algumas pessoas cujas faces não me vem a memória. Não fico surpreso quando a motorista os apresenta como seus amigos. Perguntam meu nome, invento. Digo um nome espanhol, Juan, Miguel...
Eles eram uns seis, sete... Um deles saca um cigarro filtro vermelho, me oferece. Apoio o cigarro no canto esquerdo da boca, procuro um isqueiro. Exploro os bolsos da calça sem sucesso. Alguém risca um fósforo, é a motorista, estende-me a mão envolvida por estrepitosos braceletes, reluzidos pela chama. Junto as mãos em forma de concha, o cigarro acende. Um trago.
Iago... Iago... Alguém atraia minha atenção, falavam comigo, fixo a indiferença e um deles continua a narrativa ao passo de quem está para chegar ao clímax. Distraio-me, o som, das vozes ou da descarga, dificulta a compreensão do que ele diz.
            Fico, apenas, acenando afirmativamente a cabeça. Enquanto falava, vez ou outra, cuspia para matar a sede de um cachorro manco, que, decididamente, fitava a porção sobre a mesa. Percebo que assenti afirmativamente além da conta. Perguntam-me por onde anda um tal de Gama.
- Gama?, - pergunto, - É... Então, não disseram? Mudou rapaz.
- Mudou? – perguntam como que em coro.
- É, mudou.
Eles se entreolham, dão impressão de que a mudança do tal Gama fosse mentira. E era. Um deles tartareia:
- Era um louco, de boa cabeça. Deus o guie.
Novamente levanto e vou, ou não, ao banheiro. O caminho, dessa vez, era tortuoso e insincero, faz lembrar um cansativo labirinto. Que labirinto? Era apenas um túnel, um corredor levando até aquela porta.
Quando volto, alguém me puxa. ‘Vamos comprar cigarro’, diz com uma voz rouca, quase afônica. Entro no carro, sem olhar com quem. Andamos um pouco, no rádio uma música triste. ‘Vai torturar teus sonhos tão mesquinhos... Vai reduzir, as ilusões a pó...’. Dirigia com os olhos fanáticos, exaltados; com a devoção, quase que cega, de um apreciador apaixonado. Conversamos um pouco, até encostarmos num posto. Nosso carro estaciona. ‘Preste atenção querida... De cada amor tu herdarás só o...’. As portas do carro batem.
Em pé, procuro o motorista, ele não está.
- Ei, Javier!? – alguém puxa meu braço.
Uma voz pode recombinar completamente a cor de dias infaustos. Como o canto de um sanhaço-azul, a mudar a cor de uma primaveril manhã cinzenta. E, com aquela voz, todo som harmonizara-se.
Tudo o que era não tinha importância. Ela me chama pelo braço, vou junto. O céu, límpido, resplandece, iluminado por aquele sorriso, o cair da tarde. Ela era linda, como o céu. Andamos, e já não sei onde estamos.
Nosso carro estaciona.



quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Vista não poesia

Poesia não vista
Não lida
não se sabe ler
tampouco lidar com ela
interpretar?
É poesia que se sente
fácil sentir,
discernir é difícil.
Certo
ou errado?
Existe errado na arte?
Poesia que vem,
poesia que vai
em ritmo compassado
segue.
Vem
vai
vem
vai.
Nunca vi
li?
Creio ter sentido
não  faz sentido
muito menos, sentido sentinela.
Pelotão,
sentido!
Nunca vi.
Nunca li.
Ouvi?
Não, não ouvi;
Tentei musicá-la
Não deu.
Fico a sua procura,
a sua espera.
Poesia não vista
Veste minhas vistas
Tira minhas vestes
E deito, então
Nu
Contigo.
Em frases cruas de gramática.
Vai
vem
vai
vem.
Um sonho
Mais um dia de son(h)o
Montei um apanhador de sonhos.
Vamos.
Corra.
Tente.
Capte!
Mova.
Vai
vem
vai
vem.
Vista não poesia.
Lida não.
Não lido
Não vejo.
Apenas sinto
E tudo vai desenrolando
na espera pelo outono.
No universo dessa poesia
nem o inverso é necessário.
Não existe deus.
Não é que não exista
é desnecessário.
Não há o medo
da morte.
Poesia,
nem poeta,
nunca morrem.
No universo da poesia
tudo se encaixa
completa.
A poesia se completa.
O incompleto completa,
com as folhas do outono,
todo o espaço vago dos sonhos.
Vem
vai
vem
vai.
A poesia cresce.
Como a semente
que vira semente
novamente.
A poesia,
que era apenas de brincadeira,
encontra seu nexo
curva-se em tom convexo
até entrar no ritmo
espiral do meu amor.
E a poesia,
que era pra ser prosa,
vai continuando
no ritmo da modernidade
dessa nova velha valsa.
Vem. Vai. Vem. Vai.
Não pode parar
ritmos continuam
danças não param
A arte não para;
Sonhos não param
sementes não param
o outono não para
o Universo, para.
A poesia continua
no seu eterno compasso.
Vai
vem
Vai...
Ufa!


Tela:
Woman Undressing - Salvador Dalí

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Origem

           Ao mesmo horário passara todos os dias por aquelas avenidas. Sempre de calças e moletom, ambos pretos como aqueles pés imundos. Dedos disformes serviam de paramento, em um par de velhos chinelos azuis. Não sabia se ia ou vinha.
                - Boa noite. – disse
                - Bom dia.
          Três sacos, também pretos, pareciam carregar todo conjunto de espaço sob os ombros. A direção era sempre a mesma, sem meta aparente. Levara-o a margear o asfalto com destreza. Como se, de olhos fechados, soubesse todo aquele caminho.
           Não sabia se ia ou vinha. Se ia, encontrava tudo o que conservara sob seus ombros, caminhara com tanto peso, mas descrevera todas aquelas ruas, desenhadas, com luzes de postes se fazendo de lua.
         Caminhando, a procurara no céu. As próprias luzes, que outrora mostraram o caminho, calavam o reflexo do sol que iluminara a alma. Escondia o reflexo das palavras que, caudalosamente, saiam do seu peito, da saudade de si mesmo. As luzes não iluminavam os pés, nem a cabeça, apenas aquela roupa escura.
            Levava um coração, avultado como o dos santos, abstrato em solilóquios. Ultimamente, andava sem saber quem era. Pensava claudicante, ter, do nada, surgido no tempo. Sem saber que o tempo é que surgira nele. Tentava dar ideia de seu pensamento fundamental, lembrar (ou saber) de onde partira.


The Birth of the New Man
Salvador Dalí - 1943

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Olhos

Minha poesia
fica presa
Presa nos seus olhos
Presa, como minha boca muda
Presa, mas não cativa
Livre no espaço dos sonhos


sábado, 4 de agosto de 2012

Chilrear


Um clarinete esganiçou-se à distância. Mozart? Pássaros. Era um chilrear de liberdade, enquanto a madrugada cantava. Habitavam ali, como que em um conjunto natural, em meio a todo aquele lugar seco. O refrigério só aparecia naquele momento. A madrugada flauteava docemente, e com arrebatamento, sua melodia. Propiciamente para aquelas vociferações de liberdade.
Quando atingiram o ré maior de Tchaikovsky, experimentaram ser deuses. Elevaram-se, e voaram tão alto que os olhos já não podiam vê-los. Mas, ainda assim, continuavam a soar docemente os violinos. Os que não detinham a capacidade de ascender permaneciam bonançosos e serenos.
Agora, nos céus, viam todos os astros. Viram que tudo mantinha-se ali. As galáxias perduravam, protegidas. De repente, como que se tudo lentamente parasse, reflexionavam e podiam ver a própria alma. Voavam, e iam mais alto. Tão alto que, a própria música, despiu-lhes a audição. Cantavam, agora, com ainda mais vivacidade. Com tal qualidade de leveza, tocaram aos ouvidos surdos de Beethoven.

Vesica Piscis in Space

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Nega


Boa noite, Nega. Você está aí de novo, todo dia você está. Ô Nega, que saudade. Meu corpo é velho, o seu não é. Teu corpo descreve curvas, tão bonitas em você. Em mim, Nega, só sobram todas essas rugas. Curvas? Só se forem nas cavidades do meu rosto.
            Aqui, nada era assim. Quanto àquela realidade é, praticamente, tudo ausência. Acho que nunca fui novo, Nega. Nunca. Mas, minhas memórias recordam minha infância. Uma criança velha. É tudo lembrança do meu ingresso.
            Tudo aqui Nega, agora leva consigo tanta verdade. Não, não é tudo. São as pessoas, dizem estar autenticamente conforme a realidade. Elas acabam ficando sem espaço, até pra transformação. Quanto mais preso à verdade, menos acabam tendo o que fluir e afetar. Não sei, Nega, acho que penso demais.
            É tudo espera, Nega. Tudo parece ter sentido aqui. Em algum lugar, sempre tem alguém sentado. As coisas, que de fato contam, já receberam seu afeto. 
            Ah, Nega... Nega, eu estou velho, tenho medo. Fico aqui perdido, habitando todo esse infinito, sem ter você pra significá-lo. É como se você fosse minha causa, Nega. E, fico pensando, por qual causa você não está aqui. 
            Lembro-me de você, no meu rosto é inteira. Só não lembro, Nega, se sua pele é preta. Rememoro, realmente bem, é de quando dissecávamos palavras. Aqui ninguém mais faz esse tipo de coisa.
Nega, lembro do teu olho. Mas, não lembro a cor da tua pele. Lembro de cada noite nossa. Naquelas noites, você significava tudo quanto existe ou possa existir. Meu velho rosto não tem vida, acho que, sem você, nunca teve. Se existe vida, é apenas um reflexo pífio de toda a vivacidade que você colocou.
Não lembro tua pele, Nega, nada é como parece.




quinta-feira, 19 de julho de 2012

anìma (2)



"Lorsque s'enlève la carcasse, on voit l'âme
Tellement je pense, tellement que...
Je pense tellement que quand je dis
ne sors pas
ça reste, dérange
inquiete
Après être réfléchi
Je vois tout
Dans le miroir
en utopie
Je vois
Il est encore le reflet
J'enlève
Alors, je vois"

Releitura: Anìma

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Parado

     Passaram correndo, às três. Num encontro massivo, chocam-se envoltos de grande ternura e alegria. Carregam-se uns aos outro, no meio de tudo aquilo que se movimentava mecanicamente. Ninguém repara, percebem tampouco. Nem a causa as percebe. 
     Ainda assim, estão ali. Continuam a correr, e correm cada vez mais rápidas.  Um grito letificante corta o ar. No clamor, de regozijo, os três olhos, que agora são muitos, encontram-se. Em iminência tudo para, o progresso para. Tudo para, para que eles passem.
     Num silêncio, dificilmente esquecido, a luz de tudo aparece. O que a audição consegue captar muda, o canto dos pássaros retifica. O seu vôo e cor, absortos pela alvorada, tornam-se, então, completos. E vê-se os astros. Vê-se, então o céu, entrecortado por prédios. Tráz de volta a ideia da movimentação, quase que esquecida. E a atmosfera do tempo insurgi. 
     Pelos lados não há mais ninguém. Praça vazia; todos os encontros, que ali ocorreram, nítida e luminosamente somem reduzindo-se a nada. Todo o barulho volta com efervescência. Arde as recepções auditivas. E, de toda a movimentação, é apenas uma imagem congelada que sobra.



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Olhos, e sorriso, de encanto.


A face, que tanto permeia a mente, aparece. Como no susto de um vulto, vira para o lado oposto. Olha de volta, e ainda está lá. Estático. No centro de todas as sensibilidades, e ternuras, some tudo o que já se sentiu. Algo, como o nada, instaura-se e acaba tomando conta do que talvez nem existiu. Um corpo inane esquenta-se e aperta, ainda mais, o próprio peito. E, como estátua, os olhos não se mexem, nem as mãos, nem nada, com conseqüente perda de suas características essenciais. Continua andar, perdido em solilóquios num lugar tão distante que, sem ter um por quê aparente, tudo parece lembrar um sorriso. Sentado, confabulando sobre saudade e sentimento, os olhos saem magnetizados no vermelho de um ocaso.


sexta-feira, 6 de julho de 2012

Até as sombras.

A rua, em que não se vira, leva ao sagrado.
esse sagrado, logo mais a frente,
Tão visivelmente perto, e estático,
permanece.
Conciciliando tantas coisas,
 que sobrevivem imóveis.
As sombras das árvores,
de tão engraçadas,
travessas,
lembram máscaras que riem e choram.
Tudo é parte de alguma coisa.


Montanha Kangrinboqe.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Turvação



     Já sou velho. Não bebo mais aquela água. O córrego, que passa bem no meio da cidade, saciava minha sede. Como uma turvação mental daquelas boiadas. Aquele ribeiro fartava-me. Faz tanto tempo. Em época remota, vejo, (e rememoro) o remorso daquelas ruas. Reflito aquela água. Os ponteiros passaram. 
     Uma água tão suja fartava, só não lembro a quem. Pareciam ser tantas pessoas, puxadas por seus bois, a mergulhar naquela água com magnificência e alegria. Sentado num banco, via que tudo parecera manter-se igual. As contruções mantinhan-se velhas. Como as árvores no mesmo lugar, as três pichações no muro se inventaram.
     Estou velho, resta pouco tempo. Beber aquela água, mesmo que suja, dilucidára-me. Vejo a segunda infância daqueles que mergulhavam naquele ribeiro. Cada qual, face de uma só. Eram a mesma critaura e, em cada face, uma verdade; reflexo de um todo. Andando trôpega, aquela alma velha seguia. Regenerada. É aqui que acaba?


Montres Molles 1933 - Salvador Dali

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Bois de terra seca.


          Engraçado, eu não lembro daquele rosto. Nem daqueles olhos grandes, fundos. Pareciam carregar tanta coisa. Olhos com marcas brancas, deve ter sido a  primeira vez que vi. O que se pode carregar em olhos tão brancos? Brancos e envoltos por riscos vermelhos. Ocorre-me a lembrança das marcas em seu rosto, a pele já enrugada, uma barba feia, suja. As bochechas marcadas por cavidades, talvez em decorrência da fome. Era um lugar tão seco. Estranho, ainda assim, não me lembro daquele rosto. Tinha a marca de tantos outros. Por que ele parecia usar sempre a mesma roupa eu não sei. Uma roupa triste, sem meta, orientação ou rumo algum.
          Engraçado, eu não lembro daquela cidade, nem de suas ruas. Talvez não houvessem ruas. Um ponto, ou outro, daquela cidade ainda me fica na memória. A praça com a igreja verde. Quão sinuosas eram aquelas ruas, pareciam levar a lugar algum. Tal qual passos de bêbado, que anda em círculo, exita e cai. Era um lugar tão seco. Acordo ter visto bois, tão secos quanto as cavidades no rosto daquele sujeito. Outrora fora tudo tão vivo, agora são apenas ossos.
          Nas ruas ele andava cambaleante. Com o olhar perdido, para o fim da rua, andava. Tocando seus bois, bem provavelmente não fossem seus. Como se anda em rua sinuosa? Ainda mais estando cambaleante. Os bois pareciam ter mais rumo do que ele. Até mesmo os já caídos. Era um lugar tão seco. Até a igreja verde parecia perder o sentido. Qual o sentido da igreja verde numa praça que não existe? Rua nenhuma leva até ela, rua nenhuma pode levar, até os santos, a água. Os bois pareciam ter mais rumo em um lugar tão seco.


terça-feira, 27 de março de 2012

anìma


Quando se tira a carcaça, vê-se a alma.
Penso tanto, tanto que...
Penso tanto que quando digo
não sai
E fica, incomoda
inquieta.
Após refletido
vejo tudo.
Em espelho,
Em utopia.
Vejo.
Ainda é reflexo.
Tiro.
Aí sim, vejo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sonhar

Estava caminhando na rua, sem documentos, sem nada. Por algum motivo, do qual desconheço, sentia-me alto. Após um tempo caminhando encontro alguém que a muito tempo não via. Ele pede para alguma pessoa da rua algo que desconheço e não percebo na fala deles. Nesse momento volto-me e tento falar com ele, alguma coisa é muito pesada e parece segurar minhas costas, não me deixa andar. Parecia estar em câmera lenta. É difícil conseguir transcrever essa sensação. Algo estranho, pesado. Como se um bolo de gordura, algo macio, volumoso, parecia estar em cima de mim e me segurar.
                Depois de muito esforço consigo cumprimenta-lo, este que um pouco demora a me reconhecer. Após algum tempo perco a forca de lutar contra esse “o que” que me segurava e sento-me sem olhar onde. Passa um tempo e percebo que é um banco. Estou em algo parecido com uma rodoviária. De longe ouço alguém dizer que a policia esta por chegar, e é nesse momento que percebo o grande numero de pessoas que estão comigo. Merda, estou sem os documentos – pensei.  Aquele peso enorme parece me segurar de novo e não consigo levantar de onde estou.
                Após algum tempo percebo que estou conversando com alguém. É uma pessoa jovem, branca, cabelos bem cortados, bem vestida. Definitivamente não a conheça. E me surpreendo quando após um tempo percebo que ela esta cuidando de mim. E me diz que todo o cuidado que esta tendo comigo, é o mesmo que tive com as pessoas. Estranho foi quando completa dizendo que eu sabia o porquê disso.
                De quando em quando percebo uma forma meio que peculiar entre as pessoas da rodoviária. Essa forma ou pessoa só me é perceptível quando estou olhando de cima. Tem corpo normal até a altura da boca, da boca para cima toma forma redonda, como a de um olho. Carrega consigo uma espécie de tv onde é mostrado tudo o que aquele estranho o olho vê.