Ao mesmo horário passara todos os
dias por aquelas avenidas. Sempre de calças e moletom, ambos pretos como
aqueles pés imundos. Dedos disformes serviam de paramento, em um par de velhos
chinelos azuis. Não sabia se ia ou vinha.
-
Boa noite. – disse
-
Bom dia.
Três
sacos, também pretos, pareciam carregar todo conjunto de espaço sob os ombros.
A direção era sempre a mesma, sem meta aparente. Levara-o a margear o asfalto
com destreza. Como se, de olhos fechados, soubesse todo aquele caminho.
Não
sabia se ia ou vinha. Se ia, encontrava tudo o que conservara sob seus ombros,
caminhara com tanto peso, mas descrevera todas aquelas ruas, desenhadas, com
luzes de postes se fazendo de lua.
Caminhando,
a procurara no céu. As próprias luzes, que outrora mostraram o caminho, calavam
o reflexo do sol que iluminara a alma. Escondia o reflexo das palavras que,
caudalosamente, saiam do seu peito, da saudade de si mesmo. As luzes não
iluminavam os pés, nem a cabeça, apenas aquela roupa escura.
Levava
um coração, avultado como o dos santos, abstrato em solilóquios. Ultimamente,
andava sem saber quem era. Pensava claudicante, ter, do nada, surgido no tempo.
Sem saber que o tempo é que surgira nele. Tentava dar ideia de seu pensamento
fundamental, lembrar (ou saber) de onde partira.
The Birth of the New Man
Salvador Dalí - 1943
Salvador Dalí - 1943