segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Quand je dis ne sort pas


     Por algum tempo, que não sei se foram segundos ou horas, só existiu o delineamento lateral do seu rosto. Linhas sutilmente desenhadas, em poucos segundos, transfizeram-se em um sorriso entrevisto pelos seus cabelos.
     Sorrindo, sua boca lia sozinha. Poderia ficar muito tempo ali, por muito tempo poderia ser, ou ter, apenas aquele sorriso. O seu sorriso chegou até mim, contraiu os músculos do meu rosto e peito.
    Como perceber a razão desses olhos, de sentimentos verdes, fortes e recentes, sentirem-se ínferos? O sentimento deles nunca é bobo. Olhos que, da mistura do amarelo com o azul, tornam-me vivo, magnetizam a chuva. Por quê eles trazem tanto brilho e encanto aos meus olhos, e sorriso?
    Quero dizer várias coisas. No pensamento, elas voam, e tremo diante das palavras. Je pense tellement que quand je dis ne sort pas. Aqui dentro, ficam as palavras que não saem, não passam. Perco-me nas palavras e elas perfazem o tempo.
     Ela olha para mim, seus olhos brilham como num poema invisível.
     - Você estava cantando enquanto vinha para cá?
     - Por que pergunta isso?
     - É porque pensei ter escutado.
     - O que você ouviu?
     - Nada de mais.
     - Pensou que ouviu?
    - Não sei. – um silêncio cego, por um instante, pairou. - Mas, parecia com a melodia da música que eu cantava.
     - Eu também te ouvi. E, em você, ouvi muito do que eu quis dizer.
     - É como se, mesmo antes de me ouvir, você tivesse percebido, cantado, o mesmo que eu.
     - Meu som, antes, parecia... Sem ritmo, não, não é sem ritmo... É outra coisa...
     - Sem sabor?
     - Isso! Agora, sei lá, pelo menos na minha cabeça, ele parece estar em harmonia.
     - Para. – interrompem-se, sorrindo. - Faz tempo que eu canto aquela música.
     - E, faz tempo que eu tenho minha atenção em você.
    Novamente, silêncio. Dessa vez, não era um silêncio desconfortável ou seco. Nunca senti tanto deleite em um silêncio. Não era o sabor do vinho, era outra coisa. Nos olhamos, igualmente, ao mesmo tempo.
    A ligeira elevação do canto das nossas bocas pareceu colocar em sintonia dois corpos, ainda que fisicamente distantes. Um sorriso sem começo, fim, ou meio. Um sorriso fazendo-se de palavra, ilimitado em matéria ou espaço.
Woman With Book - Pablo Picasso

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