terça-feira, 19 de fevereiro de 2013


Sabe, hoje eu acordei pensando, vô.  Talvez, hoje eu tenha acordado pra pensar ou sentir saudade. Sentir saudades do que eu queria ter mostrado pra você. Eu queria poder ter te mostrado a farda e a honra que poderiam prenunciar alguma salvação. Aspirei, mesmo antes de ter, por tanto tempo te mostrar o sorriso que me faria encher o peito. Me apetece a ideia de poder mostrá-la pra você e poder dizer: vô, é essa moça aqui ó. É esse o sorriso que escolhi pra iluminar o meu, do jeitinho que cê falou.
Que é que se salva, vô? Nunca estamos a salvo, nem da saudade tampouco do amor. Eu queria saber se você lembra aquele dia em que, deitado na cama azul, cê me explicou tudo. Mesmo que indiretamente, numa metáfora elucidou o amor a devoção ou busca por olhos que encantassem o peito. Disse abrir portas ou a gentileza de ajeitar a cadeira para que sente, para que aqueles olhos pudessem ter descanso e caminhos. Tua boca quase que murmurava as causiefeito...
- Olha aqui pro meu dedo filho. – você disse, lentamente molhando o dedo na saliva e erguendo-o quase com dificuldade. – Assopra. Você irá perceber que tudo tem uma troca. O ar quente da sua boca esfria a ponta molhada do meu dedo. E, já nisso, é um pouco de você que passa ou fica em mim.
Ah, vô... Será esse meu primeiro sopro no peito? Que vontade de te contar minhas palavras, causos ou loucuras; igualzinho eu aprendi a fazer quando cê me explicava as coisas. Narrava histórias tão épicas e carregadas de sabedoria que os doutos do engenho não souberam reconhecer. Uma vez, de livro aberto, eu procurava a sabedoria do colégio. Numa das páginas, do meio ou do fim, havia um ovo desenhado. Translucido. Cê não sabia do desenho apenas me perguntou:
- Que é que você lê aí filho?
- Ah... vô. Tão explicando aqui como é que é um ovo por dentro.
- Tem muito mais vida dentro de um ovo do que você pensa filho. – com a maestria de quem há muito tempo ensina, em palavras calmas descreve o ovo e o embrião. Disserta vida ou morte, e, parecia esquecer a fragilidade da sua que parecia perder-se em cada palavra.
Quem dera todas as suas expressões pudessem ter mantido-se inteiras na minha memória.

4 comentários:

  1. Meu vô era alto e negro... lembrei dele. Abraço.

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  2. Caro Rafinha,
    como outrora lhe disseste, quando leio seus textos, sinto como se estivesse lendo produções de grandes nomes da cultura brasileira. Você aloca as palavras com grande habilidade. Não acredito quando dizem que certas pessoas possuem um 'dom' para determinada atividade, exceto quando leio seus textos.

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  3. Belo poema senhorinho! Senti saudade dos meus avós,na verdade saudade de algo que nunca tive, de ouvi-los contar historias, assim como descreveste. Abraços

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