domingo, 20 de janeiro de 2013

Castelos


Criaram castelos, para  aparentar a alma.


        Ensaiando passos ainda tortos, uma criança segue seu pai. Na mão esquerda carregava uma pulseira de ouro, tão frágil ou fina quanto a inocência de se ver as coisas pela primeira vez. Com um, ou dois, anos é difícil andar em linha reta ou, até mesmo, ficar parado em pé. Mesmo não percebendo, caminha em sinuosidade e descreve caminhos como quem dança sem musica nos pés. Não faz diferença saber, ou não, dançar, andar em linha reta. Tudo é novo.
            - Pa... Pa.. Ba... – tenta atrair a atenção do pai, exultante.
            Puxando a pulseira que o pai, também, carregava segura e perde os olhos em uma flor amarela. Não é que fosse a flor mais cheirosa ou a mais chamativa aos olhos. Mas era única e lhe encantava os olhos.
            - Bonito né, filho? – o pai nem liga, pra ele não existiam tampouco flores por perto naquele momento. Fitando minuciosamente um carro preto, esquece o filho nas flores. E, que carro preto. Perdi meus olhos na criança que, sentada, sorria, babava. Cantava uma musica que ninguém nem ouvia.
            O dono do carro, vestido de chinelos pretos e calças curtas com desenhos tropicais estampados, vêm na direção do carro. O pai, no susto de ser pego praticando a cobiça, gruda com a mão direita o braço da pulseira de seu filho. Aspirando fundo o guri, como quem acorda de um sonho, sente que voa e cai nos braços, com a cabeça sob o amparo dos ombros, do pai, e tenta em vão alcançar uma pétala que fosse daquela flor amarela que sempre acabava ficando longe.
            - Vem ver meu carro novo. – o dono do carro diz prum velho gordo bom de matemática.
            - Rapaz, eu já estava olhando daqui.
            - O que você achou?
            - Ah, legal...
            - Só?
            - É, uai.
            [silêncio]
            - Olha o carro de novo... Diz que ele é bonito.
            [silêncio]
              Eu preciso sorrir.


Salvador Dalí - Flordali II (1981)

Um comentário:

  1. Parabéns outra vez por mais um maravilhoso trabalho... O que me leva a ler seus textos é esse jeitinho de dizer tanto de uma forma tão... Sossegada, despreocupada mas bem feita...

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