Criaram castelos, para aparentar a alma.
Ensaiando passos ainda tortos,
uma criança segue seu pai. Na mão esquerda carregava uma pulseira de ouro, tão
frágil ou fina quanto a inocência de se ver as coisas pela primeira vez. Com
um, ou dois, anos é difícil andar em linha reta ou, até mesmo, ficar parado em pé.
Mesmo não percebendo, caminha em sinuosidade e descreve caminhos como quem
dança sem musica nos pés. Não faz diferença saber, ou não, dançar, andar em
linha reta. Tudo é novo.
-
Pa... Pa.. Ba... – tenta atrair a atenção do pai, exultante.
Puxando
a pulseira que o pai, também, carregava segura e perde os olhos em uma flor
amarela. Não é que fosse a flor mais cheirosa ou a mais chamativa aos olhos. Mas
era única e lhe encantava os olhos.
-
Bonito né, filho? – o pai nem liga, pra ele não existiam tampouco flores por
perto naquele momento. Fitando minuciosamente um carro preto, esquece o filho
nas flores. E, que carro preto. Perdi meus olhos na criança que, sentada,
sorria, babava. Cantava uma musica que ninguém nem ouvia.
O
dono do carro, vestido de chinelos pretos e calças curtas com desenhos
tropicais estampados, vêm na direção do carro. O pai, no susto de ser pego praticando
a cobiça, gruda com a mão direita o braço da pulseira de seu filho. Aspirando
fundo o guri, como quem acorda de um sonho, sente que voa e cai nos braços, com
a cabeça sob o amparo dos ombros, do pai, e tenta em vão alcançar uma pétala que
fosse daquela flor amarela que sempre acabava ficando longe.
-
Vem ver meu carro novo. – o dono do carro diz prum velho gordo bom de matemática.
-
Rapaz, eu já estava olhando daqui.
-
O que você achou?
-
Ah, legal...
-
Só?
-
É, uai.
[silêncio]
-
Olha o carro de novo... Diz que ele é bonito.
[silêncio]
Eu preciso sorrir.
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Salvador Dalí - Flordali II (1981) |
Parabéns outra vez por mais um maravilhoso trabalho... O que me leva a ler seus textos é esse jeitinho de dizer tanto de uma forma tão... Sossegada, despreocupada mas bem feita...
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