domingo, 27 de janeiro de 2013

Poltronas


As duas poltronas eram, praticamente, iguais com apenas pequenos detalhes variantes. A madeira continuava a mesma, mas, poderiam nem ser da mesma árvore. Eram quatro pernas onduladas, um encosto pro pescoço e a almofada rasgada suportando as ancas. Sonhei que a gente era velho e, não levantávamos daquela cadeira; talvez não pela saúde e, sim, por querer apenas estar ali e não partir.
         Uma parede guarda as duas poltronas velhas, como tudo que existia naquela casa, onde, permeadas por uma mesinha de centro com livros empilhados, pudéramos ser, lembrar, imaginar ou viver, o que quer que fosse. A fantasia da poesia numa realidade que pouco importava qual fosse, arrebatava, como um sopro, nossos peitos.
         Os meus ou os seus olhos começavam a perder seu ar cintilante, sentados respirando fundo, ganhavam um tom fosco. O ar que saia dos pulmões parecia escasso ou carregado de cansaço e, a tosse parecia acometida de pedaços de outra vida.
         Eu não conseguia falar, ora dizia e tampouco ouvia a mim mesmo; as palavras saiam de minha boca, porém, minimamente chegavam ao meu ouvido. Exasperado, tento em vão repeti-las procurando o som seco que atentara sair da minha boca, tentei buscar nos fundos de minha memória um resquício que fosse do som de minha voz. As palavras, escritas, cada vez mais, de formas diferentes, transfaziam-se em imagens nítidas que meus olhos não acordavam ter visto ou lido. ‘Que é que estou pensando, o que eu penso... que voz eu tenho.’
         - Em que é que foi que cê tanto pensa, velho?
         - Minhas palavras. – respondemos, ou pensamos, juntos. Como um espírito que se liberta, minha voz rumoreja quase inaudível, mas, completa-se no som harmonioso de uma voz feminina, tratada pelo tempo, que, por vezes, eu esquecera ter por perto.
         Os olhos, antes secos, marejam em fios que lentamente tiram o ar fosco dos olhos. Fechando levemente as pálpebras de um olho que, aparentando estar seco ou morto, brilha quando tento copiosamente dizer palavras ou inspirações que minha voz não consegue pronunciar, mas, que no silêncio mutam-se em poesia.
         Pondo à prova suas pernas agora fracas, a velha levanta-se.
         - Minhas palavras completam-se na tua boca, meu velho. Ou até no teu pensamento... fico pensando se ocê sabe disso. – sua voz, ainda que rouca, guardava um único tom que me seduzira, desde sempre, a encontrar poesia. – Fico pensando... fico pensano... 

Four Armchairs in the Sky - Salvador Dali.

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