segunda-feira, 6 de maio de 2013

Sorriso refletido


                Perdi meus cabelos ganhando seu amor, vestindo a velha jaqueta cinza me encosto em seu carro estacionado rente a calçada. Seus olhos mantinham-se brilhando como nas primeiras vezes, e, a luz dos postes trazia de volta o preenchimento dos seus olhos no palco de meu peito. Nem me lembrava mais quando havia sido a ultima vez em que nos encontramos, eu, ela, o papel e a caneta.  O pequeno caderno de anotações, que a capa aludia ao infinito, se mantinha guardado sempre no bolso da jaqueta ou da camisa, quase que salvo, atrás do maço de cigarros. Seus olhos ficam mais perto dos meus e, seu sorriso enche minha boca através do seu beijo. Transcendência, os corpos cadentes reencontravam a reminiscência, no tempo ou na saudade.
                Sorrindo seus olhos cerram os meus e, sua boca quase leve encosta na minha. Minhas mãos se encobrem nas suas costas, trocando calor. Uma mão aperta a lateral direita da cintura, a outra com a ponta dos dedos cinge o sutiã azul claro maliciosamente, sob a blusa. Seus punhos cerrados apoiam-se em meu peito, sustentados pelos seus braços duplicados que se recolhem em meu corpo, quando minhas mãos te puxam e você, num gemido, gruda meu corpo. Um beijo, que beijo? Vários deles, sem mesmo sentir o carro, apenas o calor da luz do poste que brilha o rosto lembrando o palco. Beijos param, a avenida some, carro ou barulho. A luz do poste se faz sol. Seu rosto no teu olho, a claridade do poste no seu olhar se completa; amarela. Um sorriso, refletido no olho, significando alegria.
                - Ai...
                Você diz levando as mãos ao rosto, com os dedos abertos cobrindo as bochechas e a boca. Sorri e morde os dedos mínimos, docemente. A boca que me engole em palavras ou gostos, completa um caderno de sonhos. Seu rosto resplandece e sorri, balança um não, lentamente com a cabeça, que mais se parece com um sim; com sorrisos tentando sair da boca em palavras presas. Ela desliza as mãos pelos cabelos pretos, detendo-se no meio fazendo um coque, seus olhos perdem-se numa boca que boquiaberta contempla a luz do poste. Apoia o cotovelo em meu ombro e, fica ali, quase que estática, sorrindo. Olho para o poste, perco ou ganho o céu, olho nos olhos do teu sorriso, olho para o ombro; sorrio o céu.
                - Ai... – digo.
                Numa leveza quase brusca, retira o corpo de meu ombro com brevidade, apoiando-o novamente.
                - Que foi? É por causa do cotovelo? – sorrindo desculpa.
                - Não, não... Pode deixar, eu gosto.
                - Que foi então?
                - Seu sorriso.




      Salvador Dalí - A Couple with Their Heads Full of Clouds (1936)

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